sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Segunda fase do Modernismo: poesia

Para efeito de estudo, localiza-se a segunda fase do Modernismo entre os anos de 1930 e 1945. É um período no qual a poesia modernista amadurece, pois os poetas abandonam o espírito destrutivo e irreverente da fase anterior.
Com a conquista da liberdade estética, os poetas da segunda fase desenvolvem plenamente suas tendências próprias, desvencilhando-se do interesse de chocar o público conservador, mas até mesmo revalorizando formas poéticas tradicionais, a exemplo do soneto. A poesia moderna desenvolve várias temáticas (social, religiosa, espiritualista, amorosa), e marca definitivamente sua presença.
É nesse período que a Literatura Brasileira conhece uma das gerações mais fecundas de poetas, da estirpe de Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, Henriqueta Lisboa, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Dante Milano, Mário Quintana, Joaquim Cardoso e outros. Vale salientar que autores da primeira fase – como Manuel Bandeira e Mario de Andrade – também reinventam-se e permanecem produzindo nesse momento.

Carlos Drummond de Andrade
Nasceu em Minas Gerais em 1902 e morreu em 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro. É o mais importante poeta do Modernismo e apontado pela crítica como um dos melhores da Literatura Brasileira. Oi um dos fundadores de A Revista (1925), que serviu como órgão divulgador da nova geração de escritores mineiros.
Suas obras principais são: Alguma poesia (1930); Brejo das almas (1934); Sentimento do mundo (1940); A rosa do povo (1945); Claro enigma (1951); Viola de bolso (1952); Fazendeiro do ar (1954); A vida passada a limpo (1959); Lição de coisas (1962); Boitempo & A falta que ama (1968); Menino antigo (Boitempo II) (1973); As impurezas do branco (1973); A visita (1977); Discurso de primavera e algumas sombras (1977); Esquecer para lembrar (Boitempo III) (1979); A paixão medida (1980); Corpo (1984).
É importante ressaltar que o crítico literário caruaruense Álvaro Lins foi um dos responsáveis pelo reconhecimento do valor poético de Drummond. Inclusive, o mineiro chegou a escrever um texto, na década de 1940, que dava a Lins o epíteto de “imperador da crítica brasileira”. No texto, o poeta ainda mencionava que cada análise de Álvaro, no jornal Correio da Manhã, “tinha o dom de firmar um valor literário desconhecido ou contestado”.
Segundo Douglas Tufano, a obra poética de Drummond revela um lento processo de investigação da realidade humana. Desde os primeiros livros delineiam-se as linhas básicas da poesia de Carlos Drummond de Andrade: visão crítica da realidade social, frequentemente expressa através do humor e da ironia; certo desencanto com relação à vida, recusando-se a uma participação lírica ou sentimental, revelando um pessimismo em que o homem se encontra frente a frente com o vazio e com o nada:

“(...)
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha,
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo
E sempre no meu sempre a mesma ausência.”
“O enterrado vivo”. In: Poesia completa, Rio de Janeiro: Nova Aguiar.

Houve, ainda, durante o desenvolvimento de sua obra, uma fase de “poesia participante”, em que o poeta reconhecia a necessidade de se integrar no seu tempo, um tempo de destruição e morte. Pouco a pouco, porém, a participação social através da poesia foi sendo substituída  por uma visão cada vez mais desolada, em que a esperança no novo tempo cede lugar a uma resignação madura diante da falta de solidariedade e de justiça no mundo atual. Sentimento do mundo, José e A rosa do povo são obras que revelam o desencontro entre a imagem de uma sociedade justa e o contexto político do momento, marcado pelos conflitos desencadeados pela Segunda Guerra Mundial; no Brasil, a ditadura do Estado Novo também fazia suas vítimas. O poema a seguir exemplifica essa nova perspectiva.

Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes a vida presente.

Os laços familiares do poeta, a força do passado em que se originou o seu modo de ser e de encarar a realidade manifestam-se nos poemas em que trata do pai, da vida antiga em Itabira, passado que se projeta no presente:

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
“Confidência do itabirano”. In: Poesia completa

Enfim, o estilo despojado, o constante desenvolvimento da visão crítica da realidade e a constate preocupação com a linguagem dão a Drummond um lugar de destaque na história da literatura brasileira. Veja alguns de seus poemas mais conhecidos:

O mundo é grande
O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Destruição
Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos, para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

O prosador
Ainda que se destaque como poeta, a prosa (contos e crônicas) ocupa um lugar de realce na obra de Drummond. Seu fino senso de observação consegue extrair dos fatos mais corriqueiros matéria para as crônicas que publicou regularmente durante vários anos em livros e jornais.
Ao escrever em prosa, Carlos Drummond de Andrade revela outros aspectos de sua personalidade literária, que encontra, nessa forma, sua melhor expressão. Como diz o próprio autor: “Mas a verdade é que se a poesia é linguagem de certos instantes, e sem dúvida os mais densos e importantes da existência, a prosa é a linguagem de todos os instantes, e há uma necessidade humana de que não somente se faça boa prosa como também de que nela se incorpore o tempo, e com isto se salve esse último”.
Seus livros principais, em prosa, são Contos de aprendiz (1951); Fala, amendoeira (1957); A bolsa & a vida (1962); Cadeira de balanço (1966); Caminhos de João Brandão (1970); O poder ultrajovem (1972); De notícias & não notícias faz-se a crônica (1974); Os dias lindos (1977); 70 historinhas (1978); Boca de luar (1984).

Cecília Meireles
Cecília Meireles Grillo (1901-1964), cujos poemas são extremamente melodiosos, de conteúdo místico e metafísico. A sua obra ocupa um lugar à parte em nossa literatura, pois, diferentemente das intenções nacionalistas e das inovações na linguagem, a sua poesia manteve-se presa ao lirismo de tradição portuguesa, mas com uma expressão bem pessoal. Herdando e ao mesmo tempo depurando a linguagem musical e cadenciada do Simbolismo, sua habilidade poética e seu lirismo transformaram em belos poemas a sua melancolia o sentimento de saudade do tempo que passa.
De sua obra poética, destacam-se Viagem (1929); Vaga música (1942); Mar absoluto (1945); Retrato natural (1949); Doze noturnos da Holanda (1952); O aeronauta (1952); Romanceiro da Inconfidência (1953); Canções (1956); Metal rosicler (1960); Poemas escritos na Índia (1962); Solombra (1963).

Murmúrio
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no seu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

Vinícius de Moraes
Inicialmente, a poesia de Marcus Vinicius de Melo Moraes (1913-1980) apresentava uma tendência religiosa, com textos longos, de acentos bíblicos, mas esse estilo vai desaparecendo pouco a pouco em favor de sua tendência natural: a poesia intimista, pessoal, voltada para o amor físico, com uma linguagem ao mesmo tempo realista, coloquial e lírica. Suas obras principais: O caminho para a distância (1933); Forma e exegese (1935); Ariana, a mulher (1936); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946); Para viver um grande amor (prosa e poesia, 1965); Para uma menina com uma flor (prosa, 1966).

Soneto de carnaval
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.

Soneto da fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vive-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.


E, assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Nenhum comentário: